“Gato de Botas”: investimentos e aprendizagens da vida social | Labedu
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“Gato de Botas”: investimentos e aprendizagens da vida social

Ilustração feita por Ayano Imai.
24 de abril de 2017
Este artigo faz parte da série:

Contos de fadas e o desenvolvimento emocional das crianças

O conto “Gato de Botas” foi publicado em 1697 por Charles Perrault. Que tal explorarmos alguns dos aspectos que ele mobiliza em mais um post da nossa série sobre contos de fadas?

 

Na narrativa “Gato de Botas” um pobre moleiro morre, deixando pequenas heranças para seus três filhos: para o mais velho, um moinho; para o do meio, uma mula, e para Edgard, o mais novo, um gato.

Sentindo-se injustiçado por ter ficado apenas com um felino doméstico incapaz de render qualquer dinheiro, Edgard pensa em matar o gato. Porém, o astuto animal convence seu dono a lhe dar um voto de confiança, dizendo ter um plano para deixá-lo rico.

Confira aqui a versão do conto feita para a série “Contos de Fadas”.

Essa parte da narrativa pode remeter à relação que as crianças estabelecem com aquilo que herdam dos pais, não apenas no sentido material, mas sim simbólico. Aspectos como a história familiar, a origem, os hábitos, as formas de se relacionar e até mesmo a disposição genética são heranças que, a princípio, podem parecer cargas e não presentes. Entretanto, a forma como a criança assimila tais elementos com ajuda dos adultos com quem convive pode ser a chave para transformá-los em preciosos recursos, ao invés de fardos.

É assim que, um pouco a contragosto, mas sem muito a perder, o filho do moleiro resolve confiar no gato e seguir suas orientações. Vai com ele à cidade e compra belas roupas para vesti-lo: um chapéu, trajes nobres e um par de botas, prometendo ao alfaiate, ao sapateiro e ao chapeleiro algumas carnes de caça em troca dos produtos.

As botas que Edgard consegue para o gato são mágicas: leves como ar, silenciosas e capazes de correr rápido como o vento sem deixar rastros. Graças a essas qualidades, o gato consegue caçar algumas lebres e um faisão para pagar as dívidas de seu dono. Dessa forma, o felino vai conquistando sua confiança para continuar o plano com sua colaboração.

Observa-se, nessa parte do conto, que há algo que Edgard precisa investir antes de receber qualquer garantia de riqueza e sucesso. Há um empenho e um adiamento do prazer imediato em prol de algo que pode acontecer no futuro. A concretização de seus próprios sonhos depende dessa aposta – adiar a satisfação imediata é um dos mais importantes aprendizados da infância. É preciso que haja uma crença de que ir em frente valerá a pena e de que, superando alguns desafios e contando com a ajuda daqueles que estão à sua volta, será possível chegar a uma posição melhor do que a que está.

O gato, então, faz uma série de visitas ao palácio do rei e é bem recebido por estar ricamente vestido. Trazendo consigo presentes, ele reforça sempre que as visitas são em nome de seu amo, marquês de Carabás. O rei e sua filha ficam bem impressionados com o tal marquês e muito curiosos para conhecê-lo, mas o gato sempre vem como seu representante e inventa desculpas para sua ausência.

Enquanto deslumbra o rei e a princesa, o astuto felino treina seu chefe para portar-se com nobreza, educação e companheirismo. Na última etapa do plano, o gato convence Edgard a enterrar-se nu em um buraco e corre pedindo socorro ao rei, dizendo que o marquês de Carabás está em apuros após ser atacado por ladrões e perder todos os seus pertences. É nessa condição que o marquês, perplexo, conhece o rei e a princesa e tem a chance de encantá-los, mostrando sua personalidade agradável e agindo graciosamente, mas sem mostrar suas vestes pobres e sua falta de posses.

Esse trecho da narrativa valoriza o aprendizado do convívio social, que é muito importante na infância. Apenas por ter aprendido a se relacionar com os outros de forma educada e cuidadosa, Edgard conquista a simpatia do rei e de sua filha. Embora esteja nu e absolutamente sem posses, sua personalidade é o que o faz “vestido” e preparado para ter contato com a corte, o que equivale a ser recebido em sociedade.

O rei oferece vestes e transporte a Edgard, enquanto o gato passeia pelo reino clamando ser funcionário de um temível ogro que assombra a região. Ele ordena que os fazendeiros e camponeses deixem as terras em ótimo estado, pois o ogro receberá a visita do rei. Diz também que seu poderoso amo ordena que quando perguntado quem é o proprietário das terras respondam “do marquês de Carabás”. Com medo do ogro, todos concordam. Quando o rei e a princesa passeiam pelas terras do reino, está tudo belamente adornado e eles se surpreendem com a quantidade de territórios que são apontadas pelos servos como pertencentes ao marquês.

O gato chega então ao castelo do ogro dizendo que está em missão para seu amo e que este virá matá-lo. O ogro afirma que comerá os dois, mas é então que o gato começa a contar todos os poderes do marquês, enfatizando sua força descomunal e suas capacidades de se transformar em diversas criaturas. Invejoso, o ogro começa a mostrar seus poderes, transfigurando-se em tudo aquilo que o gato fala que o amo é capaz. De transformação em transformação, convence o ogro a virar um camundongo. Rapidamente, o gato come o camundongo, deixando o maravilhoso castelo livre para o seu dono apresentar à princesa e ao rei. Surpreso com sua riqueza e com sua nobreza, o rei decide que sua filha desposará o marquês de Carabás.

O desfecho da narrativa enfatiza o quanto a inteligência, o companheirismo e a capacidade de se planejar são importantes para realizar conquistas na vida. Embora no início da história Edgard não tivesse muito, ao final ele consegue uma posição social de prestígio, riqueza e relações de amizade verdadeiras. Isso tudo por ter sido capaz de investir esforços adiando o prazer imediato, por ter aprendido a se relacionar e a ser astuto a partir da amizade com o gato.

Você já havia pensado no conto “O gato de botas” a partir desse ponto de vista? O que mais percebeu ao ter contato com essa história? Conte para nós nos comentários!

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