Peter Pan #1: fantasia, limites e liberdade | Labedu
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Peter Pan #1: fantasia, limites e liberdade

Ilustração por Mary Blair.
18 de abril de 2016
Este artigo faz parte da série:

Contos de fadas e o desenvolvimento emocional das crianças

Em mais um post da série sobre contos de fadas, exploraremos algumas das razões que fazem da história de Peter Pan uma trama tão fascinante!

 

Bastante popular entre crianças e adultos, a história de “Peter Pan e Wendy” foi escrita em 1911 por J. M. Barrie. A narrativa possui enorme riqueza simbólica e já foi interpretada por vários especialistas de formas muito diversas. Na maior parte dessas compreensões, Peter é o pueril representante das fantasias infantis que, agarrado a elas, recusa-se a crescer. Vamos entender melhor de que maneira isso se expressa na história?

Tudo se inicia na casa da família Darling, onde os irmãos Miguel, João e Wendy vivem com os pais e a cachorra Naná. O Sr. e a Sra. Darling são afetuosos, porém entediantes. Parecem ter se afastado do mundo da imaginação e mergulhado nos procedimentos e burocracias do mundo adulto, ignorando qualquer possibilidade lúdica. A filha mais velha do casal, Wendy, está crescendo, suas preocupações estão mudando e ela está dividida entre adotar o ponto de vista dos pais ou manter-se infantil, como os irmãos mais novos.

Certo dia, Peter Pan entra pela janela do quarto das crianças atrás de sua sombra, que fugiu. Após muitas dificuldades, finalmente é capaz de agarrá-la e recebe ajuda de Wendy para costurá-la em seus pés. Essa cena pode simbolizar a dificuldade de Peter em perceber algumas de suas características. Nesse caso, a sombra representa aspectos inconscientes da personalidade, que não são reconhecidos como próprios. Wendy, por sua vez, remete à função materna, ajudando a criança a integrar facetas desconhecidas à sua identidade, permitindo a construção de um contorno que delimita o que é interno e o que é externo a si.

Após estar novamente atado à sua sombra, Peter conversa com as crianças e as convence a acompanhá-lo à Terra do Nunca. Esse universo maravilhoso onde vive é um lugar mágico, onde não há obrigações e tudo é regido pela fantasia. Lá, Peter é o centro de todos os acontecimentos, reinando de maneira despótica sobre os outros habitantes, cuja existência se resume a segui-lo, amá-lo ou odiá-lo.

Essa terra encantada tem um funcionamento muito semelhante às fantasias infantis e à ilusão que as crianças muito pequenas têm de controlar o mundo à sua volta de modo onipotente. As vivências da infância são muito intensas, pois na mesma medida que é gratificante ser o eixo do mundo, é absolutamente amedrontador acreditar que as próprias ações, pensamentos e sentimentos regem tudo o que nos cerca. Quando acreditamos deter poder total sobre o outro, somos obrigados a aguentar ser alvo não só de todo o seu amor, como de todo o seu ódio.

Além disso, quando somos incapazes de relativizar nossas fantasias, as tomamos como realidade. A partir disso, elas se tornam profundamente ameaçadoras, por não possuírem os limites da existência concreta ou das regras sociais. Assim, a brincadeira torna-se algo extremamente perigoso, pois não está restrita ao “faz-de-conta”. Isso é o que acontece na Terra do Nunca, onde o crocodilo, o Capitão Gancho e toda a sorte de criaturas e episódios fantasiosos ameaçam a integridade de Peter Pan e dos três irmãos.

Quando o contato com a realidade se perde e a fantasia passa a ser aterradora, é sinal de que é preciso voltar a colocar os pés no chão. Wendy está mais preparada do que os irmãos para perceber esta nuance e decide voltar para casa quando nota que João e Miguel esqueceram-se da mãe. Assim como o bebê que não retém a memória materna por muito tempo após longas ausências da mãe, os dois meninos precisam retornar para não mergulhar num mar de angústia ou desligamento do mundo.

A presença de um cuidador irá não apenas resgatar uma situação de acolhimento, como oferecerá referências para contrapor à fantasia descontrolada. Embora os limites sociais, cobrados pelos adultos, sejam muitas vezes sentidos pelas crianças como cruéis cerceamentos de sua liberdade, eles são fundamentais para brecar os medos consequentes à condição de onipotência.

Pensando nesses aspectos, a briga de Peter com Capitão Gancho e com o crocodilo portador das batidas do relógio é muito emblemática. Ela reflete a recusa infantil em aceitar as limitações do tempo e as exigências adultas. Isso aparece tanto no sentido do crescer, do amadurecer e do abrir mão da onipotência, quanto na assunção do ser criança como ser realizador das expectativas adultas.

Embora todos estejamos fadados a crescer fisicamente e a envelhecer, está nas mãos da criança assumir o próprio amadurecimento subjetivo, encontrando sua forma única de encarar o processo. Na análise do conto feita por Diana Lichtenstein e Mário Corso em seu livro “Fadas no Divã”, os autores afirmam:

“A grande novidade da história de Peter Pan é compreender o crescimento como algo que depende do desejo da criança de permitir isso acontecer.”

Entretanto, crescer significa apenas limitar-se? Será que é perder completamente a fantasia? Será que a única possibilidade de amadurecer é tornar-se tão entediante quanto o Sr. e a Sra. Darling, deixando a criatividade e a imaginação para trás? Saiba mais sobre isso no nosso próximo post sobre Peter Pan, que oferecerá uma interpretação menos conhecida da história!

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